domingo, setembro 04, 2005

SUGESTÕES

ACEITAM-SE (ESCUTAM-SE...) SUGESTÕES (CONSTRUTIVAS) QUANTO A EVENTUAIS ALTERAÇÕES A IMPLEMENTAR NOS TEXTOS. O AUTOR DESTE BLOG ACREDITA PIAMENTE QUE UM TEXTO ESTÁ SEMPRE INACABADO E, POR CONSEGUINTE, PODE SER SEMPRE MELHORADO. JÁ NA ANTIGA GRÉCIA OS RETÓRICOS FALAVAM DE QUATRO OPERAÇÕES BÁSICAS: SUBSTITUIÇÃO DE PALAVRAS, CORTES, ACRESCENTAMENTOS E REESCRITA TOTAL DE UMA FRASE/VERSO OU ATÉ MESMO DE TODO O TEXTO. DIGA DE SUA JUSTIÇA. OBRIGADO PELA COLABORAÇÃO.

12 Comentários:

Anonymous Anónimo disse...

Jardim da Estefânia



O médico disse:


- Grite para as árvores, é uma terapia anti-solidão.



Então ela foi ao jardim mais próximo exercer o aconselhamento. E quem estava no jardim ? O amado. No jardim estava o amado. Jerónimo viu-a de mãos trementes e suadas segurar a agenda litúrgica. Ele disse-lhe:



- Larga tudo e vem comigo. Vamos contar os corvos do jardim.



Ela seguiu-o espantada por este homem ter uma voz dócil . Ela era uma gótica renegada, frágil e bela quanto um pássaro ( por exemplo melro ou cotovia ) pode ser.Dantes a moça apanhava pedras nas ruas, martelava-as e colocava o pó circundante nas pupilas.Agora tudo era diferente. Tinha uma companhia valiosa, alguém a quem se entregar. Cumprimentaram no percurso o judeu imóvel nas bordas do recinto selvífico e sem saber porquê o aspecto oblativo mas pernicioso dele aumentou a insegurança da rapariga que comunicou a emoção em processo de transferência ao amado Jerónimo.



-Reparo na tua expressão um incómodo, uma dor quiçá, pressinto uma maceração interior. Serei eu ? Oh, não ! Não me abandones por favor, por favor!



-Não, não és tu; é só uma pedrinha que tenho no sapato.



Então ela agachada, quedou-se perplexa, boquiaberta, encismando as maravilhas da meretriz natureza.



-Jerónimo, é a tua voz que está no sapato! Finalmente encontrámos.



- Não é possível, responde ele altivo, pois a minha voz é felina e Setembro não cabe num elefante.



-Tens razão.



-Em verdade te digo: Se o jardim da Estefânia tivesse javalis e uma cabine telefónica eu não era o ser humano que sou.



E nisto deram um beijo comprido como a altura da terra ao céu na bochecha e começou a chover muito, de tal forma que unicamente os habitantes de antanho se recordariam de semelhante fenómeno. O Doutor Marques no alto do terceiro andar da sua janela observou o destino destes dois amantes abraçando-se no resplandescente coreto, ponto de abrigo a dilúvios, e emocionado com a chuva cada vez mais intensa e profunda começou a escrever uma crónica sobre lobotomia. Ainda hoje ninguém conhece o seu conteúdo e há quem solicite resgatar a escuridão do seu quarto de maneira a que as letras no papel não se afundem. Lamentamos a pobre sorte das hematófogas.

1:13 da tarde  
Blogger Sérgio A. Correia disse...

Gosto muito deste seu conto. Parabéns!

7:39 da manhã  
Anonymous Anónimo disse...

Rosas negras


Os meus avós eram tristes, a mãe era uma triste, o meu pai triste era, os meus três irmãos todos tristes também. Fiquei só eu a tomar conta da funerária. O número de clientes no último mês desceu a um ritmo assustador. Compreendo-os. Dantes a minha família era responsável por um atendimento professional. Tínhamos também um grande cão preto no estabelecimento que entretanto morreu de causas desconhecidas. Suspeito que se suicidou ao asfixiar-se na maçaneta da porta de entrada. O cão era uma companhia simpática para nós e para as pessoas que nos visitavam naquela altura da vida. Ninguém mais passou por cá desde então. Sem saber porquê herdei este negócio para o qual não fui talhado. Arruinei o nome da empresa e sinto-me culpado por isso. O que quis sempre ser era jardineiro. Quando era pequeno havia um roseiral perto de casa. De vez a vez costumava entreter-me com as rosas, tocava nelas, cheirava-as, falava-lhes e parecia que me entendiam. Quando me vinha embora de lá regressava comovido e chorava muito como uma criança que perde o brinquedo predilecto ou leva uma bofetada injustificada. Depois chegava a casa e diziam-me: ao menos se brincasses com machados cortavas-te apenas. Eu próprio vou deixar de ser cliente da minha funerária. Já marquei tudo com outra agência: data, preço, local de enterro. Só não sei ainda é como é que vou morrer.

3:38 da tarde  
Blogger Laranjina PSD disse...

Aqui deixo à tua opinião:

TESOUROS INCÓGNITOS

Corres, como que a medo,
Escondes-te da turva.
Contornas a curva.
Tanta pressa, tão pobre enredo!
Foges, deixando-te intacto;
Pensas escapar ao degredo,
Evitas todo contacto.

Insano tu que estragas os dias.
Vives cada novo tacto
Como se fosse mais um,
Que foges de todos,
Guardando tesouros incógnitos!

Todo o vazio no teu trilho!
Foges, não crias!
Que valor sem brilho
Guardas nessa caixa dos dias

Insano esperando o novo.
Bebes cada momento da taça
Como se pudesse esperar.
Toda a perfeição num ovo
És tu que te esperas no ar;
Potência vazia estéril e baça.
És o rei nu que conduz a barcaça,
Marinheiro trôpego que ruma sem mar.

8:37 da manhã  
Blogger Laranjina PSD disse...

A ideia de estar sempre a melhorar um texto é muito interessante! Mas pergunto-te se não poderá vir a tornar-se um pouco limitativa?

Um abraço!

8:39 da manhã  
Blogger Sérgio A. Correia disse...

Pedro

Numa primeira e limitadíssima leitura, devo confessar que gostei do teu poema. Creio que ali tens a letra de uma canção. Por causa do ritmo. É forte, cantante. Não sei se o fizeste de uma forma consciente ou inconsciente, mas o facto é que o número de sílabas métrica parece (pois não as contei...) não exceder o heptassílabo. Daí o tal ritmo cantante de que falava há pouco.

1:25 da manhã  
Blogger Sérgio A. Correia disse...

Quanto à reescrita ser ou não limitativa, isso já não sei. Só sei que se pegares num pequeno ensaio do Mayakovsky (como fazer versos?--há uma tradução portuguesa numa colecção de livros brasileiros sobre linguística cujo nome não recordo agora), verás que ele não confia na "espontaneidade" criativa. Não é preciso cosultar a enciclopédia britânica para se ficar a saber que um músico, por exemplo, leva anos a aprender e a apreender as técnicas musicais que foram legadas pela tradição.

1:37 da manhã  
Blogger Sérgio A. Correia disse...

Por coseguinte,não vejo por que razão há-de ser a arte da escrita diferente da arte musical, da pintura, cinema, etc. É Arte, ponto final. Assim sendo, é construção, fingimento, artesanato, "inspiração" e técnica.

1:45 da manhã  
Blogger Sérgio A. Correia disse...

O problema é que em Portugal o mito romântico do "poeta inspirado" que escreve de rajada, quase sem precisar de corrigir o texto ainda é muito forte, apesar da introdução entre nós da Escrita Criativa. Bem, este assunto levar-nos-ia bastante longe. Lembro-me, por exemplo, de uma vez ter lido um texto do José Gomes Ferreira onde ele se queixava que em Portugal "se falava muito pouco do trabalho de oficina".

1:54 da manhã  
Blogger Sérgio A. Correia disse...

No entanto, que fique bem claro: não acredito na técnica pela técnica. Esta é fundamental, mas a sensibilidade pessoal, i.e. o ser-se dono de um universo pessoal com todas as obsessões, confrontos, e fantasias que isso implica, é fundamental para que um determinado escriba seja, efectivamente, um escritor. Para finalizar, tudo depende do grau de subtileza que se pretende imprimir ao texto. Daí a reescrita. O segredo é saber parar.

um abraço

2:04 da manhã  
Blogger Laranjina PSD disse...

Caro Sérgio, trata-se de uma letra para música sim senhor... aliás escrita há uns dois anos atrás...
Em relação há minha pergunta penso que fui mal interpretado! Eu não questiono a técnica e nem penso que a arte seja essencialmente inspiração ou improviso! O que pergunto é se o trabalho sistemático sobre o mesmo texto (na prosa ou na poesia)não acaba por ser demasiado limitativo?
Por outras palavras se para além de se melhorar um mesmo texto não será abandonar por vezes partir para outros mesmo que o que deixe para trás posso melhorar sempre
Na verdade um processo de trabalho sobre o mesmo texto é a criação de variados textos todos diferentes uns dos outros, não concordas?

6:17 da manhã  
Blogger Sérgio A. Correia disse...

Caro Pedro

Quem foi que disse que trabalho apenas num texto? As versões dos textos anteriores, têm, nalguns casos, continuado a "evoluir", como se de upgrades se tratassem. É o mestre Tempo que tudo decide. Para finalizar, concordo inteiramente contigo: construir variantes de um verso é fundamental para se chegar a uma espécie de "verdade" interna, de súbita revelação que ilumine a estrutura geral do texto.

7:49 da tarde  

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